A necessidade de um Rei

Programou-se, em nossas mentes brasileiras, a ideia de que somos governados por um rei. Na lógica colonialista, imputada a nós no passado por uma decisão arbitrária, fez com que para cá viesse a escória de Portugal. Disposta a dominar o terreno, partiu para matar os antigos habitantes, bem como pela voluntariosa vontade de tomar para si as mulheres indígenas. Disso nasceu a primeira mestiçagem do nosso povo, de pele alva com cabelos lisos e escuros. Com a introdução do homem e da mulher negra escrava, estava criada uma alquimia de povos, todos dominados por um mesmo Rei, o Rei de Portugal.

A nossa necessidade de um Rei não morreu com a nossa suposta “Independência”. Deixo-a aqui entre aspas, já que não significou uma independência de verdade, mas sim, uma maior dependência por mais colônias ainda. Se antes éramos dependente de Portugal, tornamo-nos dependentes também da Inglaterra, dos Estados Unidos e de outras nações europeias. Tínhamos apenas, na verdade, uma maior autonomia, ainda que permanecesse o Império com o seu Imperador. O Brasil daquela época já tinha uma extensão territorial incrível, daí o nome pomposo de Imperador.

Ao deixar o Império para o seu filho e para regentes, D. Pedro I instaurou a Liberdade no Brasil. Aquele governo regente simplesmente deixou o Brasil acontecer, o que levou a um certo crescimento econômico e surgimento de empreendimentos importantes. Sem avanços políticos, no entanto, a Proclamação da República foi a primeira a instaurar a noção de Presidentes no lugar de Rei.

No entanto não perdemos os reis. Temos Reis no futebol, na música e na política. E temos com eles a corte e os que a cortejam por toda parte. O episódio recente do poder de um rei dentro de uma certa emissora de TV é sintomático: ao usar da sua autoridade real para alterar uma obra artística fundamentalmente excluindo dela uma cena, temos ideia do porquê essa estrutura de dominação é tão nociva à nossa cultura.

Ídolos não são reis. Ou seja, não são autoridades. Já deveríamos nos questionar até mesmo se alguns autoritarismos a que somos submetidos — como o pagamento coercivo de altos impostos em troca de serviços de péssima qualidade — devem continuar, sendo que o autoritarismo do Estado deveria ser aceito e admitido pelo cidadão. No entanto, o cidadão precisa saber se defender caso o Estado torne-se um tirano. No Brasil temos tiranos que não são o Estado, mas se utilizam dessa condição de “rei” para poder, por fim, falar as asneiras que falam e fazer as besteiras que fazem.

Veja a cena que Roberto Carlos não queria que a Globo exibisse em sua versão de documentário sobre a vida de Tim Maia:

A solução para nos livrarmos dessa imagem de que necessitamos de reis seria pensarmos que todos somos reis. Nesse ponto, aquela saudação supostamente baiana — que alguns baianos dizem nunca utilizar — de “meu rei” é saudável. Sendo todos nós reis e rainhas, ou seja, tendo todos nós domínio de nossa própria consciência, não precisamos mais aceitar a verdade que nos queiram impor por autoritarismo.

Nem Roberto Carlos, nem Pelé, nem Dilma são reis, nem rainhas. Não há príncipes ou princesas. O que há são pessoas com responsabilidades. Algumas cumprem com as suas e outras, simplesmente, não querem cumprir deliberadamente. Cabe a todos nós, que somos os reis de verdade, saber discernir.