Não deve haver liberdade sem ternura. Em se partindo do chamado princípio da não-agressão como o maior princípio da convivência, temos um erro lógico que pode ser fatal: acreditar que um princípio de negação assuma o papel de influenciar atitudes é como acreditar que uma lei será obedecida só porque há para ela punição.
O que move as pessoas a fazer o mal não é o medo da resposta à agressão, e sim a falta de ternura. O homem que perde tão nobre sentimento, é incapaz de sentir qualquer tipo de empatia. Todas as suas relações passam a ser artificiais, uma construção baseada em favores, onde a desonestidade é arma secreta, enquanto a ternura é motivo de ironia.
Entre os cínicos a palavra “ternura” sequer existe em seu vocabulário. Se um sociopata proferi-la, será por puro sarcasmo. Senti-la é, para estes, impossível, senão inadmissível. Não por acaso os que não têm nada de ternura são curiosamente carismáticos. Mas não há como confundir carisma com ternura: quem sabe manipular sentimentos alheios entende que, sendo carismático, obterá, como retorno, a ternura alheia, traduzindo-a em votos diretos ou indiretos para o seu projeto de poder.
Portanto os que mais manifestam carisma podem ser os que menos possuem ternura. São os que abusam da própria liberdade de enganar os outros. A esses poderosos e autoritários megalomaníacos o mundo reserva uma quantidade enorme de cadeias e prisões. Quase tudo o que fazem, no limite da ilegalidade ou claramente ilegal, é raramente punido, pois sabem alternar o carisma e o apoio obtido para o seu próprio projeto destruidor.
Não deixa de ser curioso o fato de alguns psicopatas, até mesmo serial killers, terem fãs que até mesmo querem se casar com eles. A incapacidade de sentir alguma coisa, aliás, desperta o interesse de personalidades mais débeis, que não conseguem viver a vida sem sentir algo. A adrenalina de amar alguém que você sabe incapaz de amar provoca nessas pessoas a dose de estima que a vida real delas não possui. Falta-lhes, portanto, ternura consigo mesmas e sobra-lhes coragem para imbecilidades que, do contrário, jamais seriam realizadas.
Se a ternura evita que a falta de empatia se torne uma doença, o excesso de ternura esconde em si o que o sábio conhece como a falsa adulação. Há uma salutar lição que diz para não prestar muita atenção aos elogios: pouco servem para alguma coisa. É muito mais sábio saber explorar os críticos que sabem colocar os seus pontos de vista de forma clara e sincera. A verdade pode doer, mas ainda é necessária.
Na tosca mente dos que sofrem da falta de ternura, ainda há a sensação de que a vida vale a pena. A isso não denominamos como o saber viver natural de todos os seres, mas o saber que a sua vida se torna como uma praga, algo similar à existência de vampiros. Há, portanto, os que estão por aí, sempre prontos a mostrar suas garras e a tragar a sua alma. Como evitá-los? A ternura pode ser instrumento do auto-engano, do aceite da corrupção. Há solução para esse imbroglio terrível?
Nos estertores da consciência humana, ainda há uma chama de moral, um espelho da realidade que nos convida para tornar mais bonita a imagem que refletimos. Essa consciência inata, também presente em todos os seres, é praticamente uma lei cósmica, um fato com o qual deveremos todos estar em conformidade. Do contrário a sensação de culpa nos causa vergonha e doenças psicossomáticas inevitáveis. Estraga a pele do rosto e das mãos, como se envelhecesse em segundos o que alguns ternos vivem em anos.
Portanto é a ternura razão para viver menos. Sobretudo quando associada a um instinto de sobrevivência, a uma intuição para o perigo e a um instinto de proteção. São armas naturais de todos os seres vivos que querem se conservar. Alguns chamarão isso de um pensamento conservador, mas apenas os imbecis podem acreditar que podem conservar a si mesmos vivos entregando a alma a outros imbecis. Não há proteção sem auto-proteção, nem ternura sem que a consciência possa se sentir segura. Nesse estado natural, a experiência de transcendência pode surgir, tornando a vida ainda mais rica em significados e em possibilidades. Um sábio sempre consegue ver mais caminhos do que portas.
No final, quando se pensa no que a ternura significa, percebe-se que, com ela, adquire-se experiência, um voto de confiança e um auto-sacrifício que termina em concessões inteligentes, doçuras expontâneas e palavras sábias. Decisões melhores, afinal, advém da ternura. Que deve ser sempre individual e, dessa forma, generosa por si só. Nunca se deve terceirizar a ternura, nem a caridade, nem a filantropia. Os que vendem essa ideia, provavelmente querem vender o paraíso, enquanto projetam o inferno.